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19 de Abril de 2024
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    Escravidão pós Lei Áurea: a luta pela erradicação

    há 9 anos
    1– Evolução da Escravidão no Brasil

    O Brasil foi colônia de Portugal desde o seu descobrimento, que deu-se em 22 de Abril de 1500, até a proclamação de sua independência, em 15 de Novembro de 1889. Durante este período, o uso de mão de obra escrava foi a maneira encontrada pelos portugueses para controlar as atividades relacionadas à agricultura, mineração. Desta forma, os escravos eram essenciais para a economia dos colonizadores.

    Entre os anos de 1500 a 1530, os portugueses passaram a explorar o pau-brasil com a ajuda dos índios, que o faziam em troca de outras mercadorias, tais como espelho, pano e panelas. Com o passar dos anos os indígenas já não mais colaboravam, e, por não disporem de mão de obra, os colonizadores passaram a escravizá-los, impondo-lhes a sua cultura e sua religião.

    Conforme ensina Luciana Aparecida Lotto ([1]), dentre as várias formas de escravizar os índios as principais formas utilizadas eram: a legitima defesa contra tribos antropofágicas (se alimentavam de carne humana) e a escravização de forma voluntária, resultado da desestruturação de suas tribos, que fazia com que o índio se visse obrigado a vender ou entregar a família em troca de abrigo e comida.

    Imperava entre os índios a cooperação mútua, inexistindo hierarquia entre eles. Ocorre que Portugal tentou impor a sua hierarquia, mas os índios não aceitavam serem escravizados dentro de sua própria terra, fato que provocou batalhas contra esta tentativa de dominação, terminando com a morte ou fuga de muitos deles.

    Aqueles que aceitavam a situação que lhes era imposta, eram demasiadamente explorados pelos senhores. Muitos morriam em decorrência de maus tratos sofridos, assim como de doenças trazidas pelos portugueses tais como doenças venéreas e a varíola, além de outras que posteriormente os escravos africanos trouxeram.

    Tendo em vista a resistência e a morte de muitos indígenas, Portugal optou por “importar” escravos do continente africano. O tráfico negreiro teve inicio no Brasil em 1559.

    Os escravos africanos eram “importados” de países como Angola e Guiné. Eram negociados em troca de fumo, armas e aguardente, sendo pra ca transportados em embarcações denominadas navios negreiros. A entrega era feita em cidades como Rio de Janeiro, Salvador, Recife São Luís, e a venda dava-se em praça pública, sendo que o preço aumentava de acordo com as condições físicas do escravo.

    1.1.– Os maus tratos aos escravos

    O escravo possuía o status de “coisa”, sendo um bem de propriedade do seu senhor, não tendo qualquer direito humano, social, civil ou político. O senhor era responsável pela alimentação e vestuário do escravo, lhe fornecendo somente aquilo que lhe era necessário à sobrevivência.

    Eram a todo tempo vigiados pelos chamados capitães-do-mato, que por sua vez eram os responsáveis pela captura e aplicação de castigos àqueles que tentavam fugir. Tais castigos consistiam em açoitamentos, prendê-los no tronco ou até mesmo a peia, o que acarretava a diminuição da expectativa de vida dos escravos.

    Luiz Guilherme Belisário ([2]) cita o “escravo de aluguel”:

    “No meio urbano, os escravos desempenhavam as mais variadas funções, sendo as mais comuns as vendedor ou de prestadores de serviços (escravos de aluguel. Tais cativos eram conhecidos como escravos de ganho. Como exemplo do emprego de escravos de aluguel, podemos mencionar aqueles que arregavam água para as residências e aqueles que retiravam dejetos destas, estes conhecidos como tigres.”

    Houve várias tentativas de resistência à escravidão por parte dos índios e dos negros através da criação de muitos quilombos, que era um local de refúgio dos escravos no Brasil, em sua maioria afrodescendentes (negros e mestiços), havendo minorias indígenas e brancas, sendo o mais famoso o Quilombo dos Palmares. Estes quilombos eram uma espécie de sociedade paralela, e eram formados por escravos que fugitivos. Os escravos se suicidavam, assassinavam os capitães do mato e senhores, ou se rebelavam, sendo estas as outras formas de resistência à escravidão.

    Conclui-se, portanto, que a escravidão, no período em Brasil-Colônia, foi a maneira encontrada pelos portugueses para reduzir os custos com mão de obra. Os escravos trabalhavam por diversas horas sem descanso, fato que reduzia a expectativa de vida dos escravos para, no máximo 10 anos.

    Não lhes eram garantidas quaisquer condições de ascensão social, tendo em vista que não eram considerados seres humanos pelos portugueses. As condições de higiene no local de trabalho eram precárias, o que por muitas vezes era fator determinante par a morte de muitos escravos.

    Como se não bastasse, os escravos eram maltratados quando tentavam evadir-se do cativeiro, chegando às vezes a serem mortos pelos senhores e capitães do mato. Seus donos poderiam comprá-los, vendê-los, ou dá-los ou trocá-los por dívidas, sem que o escravo pudesse ter qualquer direito à objeção.

    O fim da maioria dos escravos era a morte em decorrência dos maus tratos, porém, muitos escravos eram alforriados, ou seja, libertados, tanto por causa da obediência ao seu senhor, quanto pela compra de sua própria liberdade. A alforria dava-se, geralmente, quando o escravo já estava velho e não mais suportava o trabalho nos campos.

    2 – Normas que acarretaram na abolição da escravatura

    A escravidão foi perdendo força, e, devido à pressão externa, algumas normas foram essenciais para extinção da escravidão no Brasil, dentre elas podemos citar ([3]):

    - 13 de Maio de 1827: ratificando o tratado que determinou a extinção do tráfico negreiro, firmado entre Brasil e Inglaterra (Câmara de Lordes), sendo considerado pirataria

    - 4 de Setembro de 1850: Lei n. 584. O Ministro da Justiça, Eusébio de Queirós, assina a lei que veda o tráfico de escravos para o Brasil;

    - 28 de Setembro de 1855: Decreto n. 3.270. Também denominada “Lei dos Sexagenários” ou “Lei Saraiva-Cotegipe, instituída por iniciativa Joaquim Nabuco, com o apoio de José Antônio Saraiva. A respectiva lei libertava os escravos que contassem com 60 anos de idade, porém deveriam laborar por mais três anos para os senhores, como forma de indenização pela alforria. Ficariam livros se atingissem 65 anos de idade ou se pagassem a quantia de 100$000

    - 28 de Setembro de 1871: Lei 2.040 – Lei do Ventre Livre – determinava que aqueles que nascessem de escravas poderiam tornarem-se livres tão logo atingissem a maioridade. Facultava ao estado pagar ao senhor uma indenização de 600.000 réis aos que completassem 8 anos de idade, colocando-os numa instituição de caridade para trabalhar em seu favor

    - 13 de Maio de 1888: Lei. 3.353 – Lei Áurea: Assinada pela Princesa Isabel, pôs fim à escravidão quando dispunha m seu artigo 1º, é declarada extinta a escravidão no Brasil.

    Portanto, a partir da Lei Áurea, ficou terminantemente proibido qualquer tipo de escravidão no Brasil.

    2.1 – Causas da escravidão contemporânea

    Atualmente, a principal causa da escravidão contemporânea é o interesse econômico. Uma parte da população é oprimida pela pobreza, pela má distribuição de renda e o desemprego, e, buscando a melhora de sua condição social, partem em busca de uma vida melhor em outras cidades e até mesmo outros estados.

    O trabalho escravo é encontrado, na esmagadora maioria das vezes, na área rural, sobretudo no estado do Pará, Mato Grosso, Amazonas, Ceará e Maranhão. Contudo, as fiscalizações dos grupos móveis já aponta a existência deste tipo de mão de obra na capital de São Paulo, que dá-se através da utilização da mão de obra principalmente de estrangeiros ilegais.

    Mas quais seriam as causas da subsistência do trabalho escravo? Ricardo Rezende Figueira ([4]) arrola algumas causas:

    - “omissão do Estado, que não tomou medidas preventivas para impedir o aliciamento de trabalhadores em seus locais de origem e nas estradas onde se dá o tráfico;

    - omissão na legislação, que não definiu claramente o que compreende por “escravo” e não previu a expropriação das terras onde se realiza o crime;

    - cumplicidade das forças policiais e locais e estaduais;

    - medo do funcionários da DRT e da PF de se indisporem com empreiteiros, gerentes e proprietários;

    - corrupção de funcionários públicos;

    - isolamento das fazendas e certeza de que a denúncia não atravessaria a porteira;

    - preconceito cultural: os peões eram preguiçosos, não trabalham senão mediante coação;

    - silencio da imprensa nacional;

    - fraude nos encargos econômicos e sociais devidos ao governo e aos trabalhadores;

    - escassez de mão-de-obra, por haver opções mais atraentes de trabalho na região, como o garimpeiro, as atividades madeireiras, e as possibilidades de se tornar posseiro, ou mesmo pequeno proprietário;

    - desemprego e pobreza, tornando as pessoas mais vulneráveis ao aliciamento;

    - vítimas que não fogem ou deixam buscar socorro de autoridade, imaginando que, em função da dívida, a lei não as protegeria;

    - essa mesma noção compartilhada por parte da opinião pública circunvizinha, ou da do local onde se dá a concentração”

























    Desta forma, além das causas mencionadas, tem-se que a globalização, aliada à busca incessante dos produtores pelo lucro, é a principal causa da escravidão pós Lei Áurea.

    2.2.– Escravidão por dívidas

    Também denominada truck system, esta modalidade é uma das formas mais comuns atualmente encontradas no meio rural. Consiste no monopólio de venda de diversos produtos aos empregados por parte dos proprietários rurais.

    Com a chegada no local de trabalho (que na maioria das vezes é longe dos grandes centros), são colocados à disposição dos trabalhadores armazéns, também chamados bolichos ([5]), onde vendem-se alimentos, ferramentas, remédios, materiais de higiene e limpeza, dentre outros, tudo isso por um preço acima do mercado. Isso faz com que os empregados contraiam dividas quase que impagáveis para com os patrões.

    Por outras vezes, os empregadores pagam os salários única e exclusivamente em produtos (salário in natura), que são retirados dos próprios bolichos através de “vales” concedidos, fazendo com que o salário nunca saia realmente dos bolsos dos patrões. Desta forma, muitos são obrigados a adquirir o necessário à sua subsistência ao invés de receber a contrapestação pecuniária pelo trabalho.

    A prática do Truck System é expressamente proibido pela Consolidação das Leis do Trabalho ([6]), que no artigo 462, § 2º aduz:

    “É vedado à empresa que mantiver armazém para a venda de mercadorias aos empregados ou serviços destinados a proporcionar-lhes prestações in natura exercer qualquer coação ou induzimento no sentido de que os empregados se utilizem do armazém ou dos serviços”

    Note-se que o artigo 462, § 3º, da CLT autoriza o empregador a colocar à disposição dos trabalhadores armazéns quando o local de trabalho for de difícil acesso, desde que ausente o animus de lucro. Da mesma forma, o artigo 83 do mesmo diploma autoriza o pagamento de no máximo 70% em produtos, devendo, conseqüentemente, os 30% restantes serem pagos em moeda nacional.

    A Convenção nº 95 da Organização Internacional do Trabalho ([7]), que protege o salário, foi ratificada pelo Brasil em 25 de Abril de 1957, também regula este tipo de situação, assim dispondo:

    “Art. 7º - 1. Quando em uma empresa forem instaladas lojas para vender mercadorias aos trabalhadores ou serviços à ela ligados e destinados a fazer-lhes fornecimentos, nenhuma pressão será exercida sobre os trabalhadores interessados para que eles faça, uso dessas lojas ou serviços.

    2. Quando o acesso a outras lojas ou serviços não for possível, a autoridade competente tomará medidas apropriadas no sentido de obter que as mercadorias sejam fornecidas a preços justos e razoáveis, ou que as obras ou serviços estabelecidos pelo empregador não sejam explorados com fins lucrativos, mas sim no interesse dos trabalhadores”



    Por trabalharem distante dos grandes centros, os trabalhadores passam a adquirir produtos dentro dos próprios armazéns por preços acima dos praticados nos mercados. Isso faz com que as suas dívidas se elevem, se tornando praticamente impagáveis, surgindo desta forma a escravidão por dividas. Os empregados são submetidos à jornadas de trabalho longas e insuportáveis, sem contudo conseguir saldar o débito.

    Ocorre que, por não conseguirem saldar suas dívidas, muitos dos trabalhadores sofrem agressões físicas e são obrigados a viverem em condições subumanas de higiene e moradia, sem condições mínimas de higiene nas suas moradias e perigo de contágio de doenças.

    Observe-se que o artigo 9º, a e b, e § 1º, da lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, que disciplina o trabalho rural, prevê que somente poderá ser descontado, com a prévia concordância do obreiro, 20% (vinte por cento) pela ocupação da morada e de até 25% pelo fornecimento de alimentação sadia e farta, atendidos os preços vigentes na região.

    Luciana Aparecida Lotto ([8]) destaca características marcantes da escravidão via Truck System:

    1- Proposta de emprego vantajosa, em local distante;

    2- Promessas de melhora na condição de vida do empregado;

    3- O recrutamento é feito mediante empreiteiros, “gatos”, “zangões” ou “turmeiros”, na maioria das vezes, prepostos dos proprietários rurais;

    4- Os “gatos” não exigem a apresentação da carteira profissional de trabalho e/ou qualquer outro documento, ou quando lhes são apresentadas, são retidas por eles;

    5- Há um adiantamento ao trabalhador de uma pequena quantia do salário prometido, para que supra as necessidades básicas de sua família, iniciando-se o débito da primeira dívida que o reduzirá à escravidão

    6- Jornada de trabalho acima da prevista inicialmente, e superior à prevista na legislação brasileira;

    7- Pagamento quase todo in natura, descontados os alimentos e vestiários adquiridos nos barracões do empregador, transformando em saldo devedor, garantida a dívida com o pagamento de seu salário;

    8- O empregador quita a dívida com as pensões onde os trabalhadores se hospedaram na época da entressafra;

    9- Os equipamentos de trabalho e para sua sobrevivência lhe são entregues, mas cobrados pelos empregadores a preços exorbitantes, comparados aos do mercado;

    10- Coação para rescindir a relação de emprego e permanecer no local, sendo privados do direito de ir e vir;

    11- Coação física e detenção ilegal de documentos;

    12- A compra de mantimentos pelos trabalhadores na própria fazenda do empregador, sendo descontada no ato do pagamento do salário, o chamado sistema de barracão ou truck system.

    Desta forma, caracteriza-se o Truck System a submissão dos empregados à vontade dos patrões em razão de dívidas contraídas nos bolichos, que é o meio de monopolizar a venda de alimentos e suprimentos aos empregados. Por não conseguirem saldar as dívidas, os empregados são proibidos de deixar o local de trabalho, sendo, muitas das vezes agredidos tanto física como psicologicamente, tornando-se, assim, escravos dos patrões.

    2.3.– O trabalho degradante

    Submeter o trabalhador a condições degradantes de trabalho é crime, tipificado no artigo 149 do Código Penal.

    Degradante é o trabalho realizado sem condições mínimas de segurança e higiene. Dercides Pires da Silva ([9]), ao escrever o artigo “Trabalho Análogo à Escravidão - Trabalho Degradante”, descreve:

    “Degradante é sinônimo de humilhante e deriva do verbo degradar; é o ato ou fato que provoca degradação, desonra. Degradação é o ato ou o efeito de degradar. Degradar é privar de graus, títulos, dignidades, de forma desonrante. Degradar é o oposto a graduar, a promover; degradar é despromover. Degradante é o fato ou ato que despromove, que rebaixa, que priva do estatus ou do grau de cidadão; que nega direitos inerentes à cidadania; que despromove o trabalhador tirando-o da condição de cidadão, rebaixando-o a uma condição semelhante à de escravo, embora sem ser de fato um escravo. Portanto, trabalho degradante é aquele cuja relação jurídica não garante ao trabalhador os direitos fundamentais da pessoa humana relacionados à prestação laboral.”

    Exemplificando, Luiz Guilherme Belizário ([10]) traz um relatório de fiscalização da SIT/DF no qual pode-se perceber o trabalho degradante:

    “No mês de março de 2004, a Comissão Pastoral da Terra da cidade de Araguaína – TO encaminhou ao Grupo Especial de Fiscalização Móvel uma denúncia feita por um trabalhador que estava sendo vitima de trabalho análogo à escravidão, nos seguintes termos, ipsis litteris:

    ...Ao chegar à propriedade, onde há 11 trabalhadores, ficou alojado no curral, onde La dormiu 3 semanas, jntamente com mais 3 companheiros, pois não havia vagas no barracão. Com a saída de outros trabalhadores, mudou-se para o barracão de tábua, coberto de telhas, porém com muitas goteiras. A alimentação é composta basicamente de arroz com feijão, pois falta carne com freqüência. A água para beber é retirada de um poço e não é filtrada, ficando armazenada em tambores de combustível vazios. O horário de trabalho é entre 6h30 e 7h00, com intervalo de almoço e termina às 17h00. Não há vigilância, porém o “gato” tem uma espingarda e um revólver, e chegou a fazer, no sábado à tarde, ameaças à um trabalhador, quando pediu para fazer o acerto, ao que ele respondeu que o peão ‘sabia que não tinha nada a receber, a não ser 6 tiros na cara’”



    Em suma, o trabalho degradante é tanto o desrespeito às normas de higiene quanto às de segurança do trabalhador. À guisa de exemplo a ausência de Equipamentos de Proteção Individual, falta de condições mínimas para se evitar acidentes de trabalho, más condições de armazenamento de água e alimentos, dentre outros.

    2..4– Trabalhos Forçados

    Esta modalidade de é a que mais se assemelha a escravidão de índios e negros. É o trabalho realizado sob ameaça, com vigilância ostensiva, de maneira que o trabalhador não possa sair do local de trabalho.

    Em outras palavras, é o uso de coação para que um obreiro possa realizar certos tipos de trabalho sob “pena” de castigos físicos e até mesmo da morte. Esclareça-se que esta modalidade de escravidão pode decorrer também das dividas contraídas pelo trabalhador.

    Funciona da seguinte maneira: o gato (recrutador) adianta uma parte do pagamento ao trabalhador, que concorda em pagar a dívida com o seu trabalho. No local de trabalho, o operário compra alguns mantimentos nos bolichos por preços acima do mercado. Não recebem assistência de sindicatos tampouco de qualquer autoridade trabalhista, em razão de permanecerem em locais de difícil acesso.

    Diante da obrigação de pagar o que deve, bem como o aumento da dívida, decorrente da compra de mantimentos nos armazéns instituídos pelos empregadores, são obrigados a permanecerem nos locais de trabalho, sob ameaças de morte.

    Uma outra forma de trabalho forçado é o tráfico de pessoas. Os “gatos” recrutam jovens para trabalharem em locais distantes de suas casas, sob promessa de bons salários e ótimas condições de trabalho. Quando chegam ao local, além de constatarem a inverdade das promessas, não são remunerados pelo trabalho realizado, e obrigados a pagar os custos da viagem com o trabalho. Para “garantir” a dívida, os patrões subtraem seus documentos, pertences e dinheiro, ameaçando de morte e até assassinando aqueles que tentam empreender fuga.

    José de Souza Martins ([11]) narra outros exemplos de trabalho forçado:

    “Em Rondônia em 1986, um enfermeiro de fazenda aplicava injeções de álcool nos trabalhadores como castigo. Em algumas fazendas, os jagunços receitavam remédios para os trabalhadores e ao menos numa fazenda em Mato Grosso, não, em Rondônia, e depois apareceu em outros lugares, os trabalhadores tinham o tendão cortado num dos pés para evitar a fuga, aí não era preciso bater, não era preciso torturar, não era preciso nada. Em Rondônia em 1986 surgiu uma denúncia de um caso de um fantástico refinamento na prática de tortura: trabalhadores eram surrados com vergalhos de boi, pedras amarradas nos testículos. Eles eram amarrados a tocos e arvores, as mão sangrando depois de machucadas intencionalmente, mergulhadas em rio que tinha piranha, cabeça raspada para os que tentavam fugir...”

    “Do Pará, 1990, um trabalhador fugido foi recapturado pelo gerente da fazenda, amarrado e conduzido de volta, obrigado a pedir a benção de pessoas no caminho, obrigado a comer as próprias fezes e finalmente morto com dois tiros”



    Portanto, o trabalho forçado é aquele exercido sob coação, ameaça, agressão e até morte. Trata-se de uma das piores modalidades de trabalho escravo atualmente. São métodos que muito se assemelham (ou até se igualam) ao período da escravidão antiga.

    2.4.1 – O “gato”

    Gato é o empreiteiro responsável pela contratação de empregados residentes em locais, geralmente, distantes daquele onde os serviços serão prestados. É ele que seleciona os trabalhadores, estipula os salários e controla o trabalho.

    Na obra intitulada “O cidadão de papel”, Gilberto Dimenstein ([12]) narra:

    “...é possível contratar trabalho ‘escravo’ por telefone no Brasil. Um fazendeiro paulista mostrou à Folha como é fácil fazer o acerto com empreiteiros de trabalho em fazendas no sul do Pará. Ele ligou, às 19h30 do dia 20, para o maranhense Adão dos Santos Franco, em Santana do Araguaia (700km no sul de Belém). Com cem ou 120 ‘peões’ recrutados no Nordeste ou Goiás, Franco garantiu desmatar 250 alqueires em São Félix do Xingu cobrando U$ 300 por alqueire ou o equivalente em arroba de boi. Na conversa por telefone, o fazendeiro usou um nome fictício (João Monteiro Neto), dizendo ser conhecido de um ex-cliente de Franco – Tarley Euvécio Martins, gerente da Fazenda Santo Antônio do Indaiá, no município de Ourilândia do Norte. Lá, em julho de 91, a Policia Militar libertou 16 “trabalhadores escravizados, segundo a Policia Federal, por ‘seguranças’ de Adão Franco”

    Este sistema de contratação é bastante utilizado pelos donos da terra de modo a não caracterizar vinculo empregatício para com os obreiros, visto que o caso em tela, em tese, caracterizaria o contrato de empreitada. Ocorre que na maioria das vezes o gato também é funcionário, o que faz com que o próprio dono da terra organize a prestação de serviços, criando, desta forma, o vinculo empregatício.

    José Luiz Ferreira Prunes ([13]), cita um julgado que explica:

    “Considera-se como empregadora a própria empresa e não o ‘testa de ferro’ que, embora contratado como empreiteiro, não tem capacidade financeira e econômica para fazer face aos encargos resultantes da legislação trabalhista. TRT da 3ªR., RO 2.469/74, 2ª T., Rel Juiz Onofre Corrêa Lima”

    2..5 – Jornada diária exaustiva

    Também denominado sweating system, o “Sistema de Suor”, remete-nos ao período da revolução industrial, onde os obreiros laboravam por até 18 horas, mediante baixíssimo salário. Desta forma, sweating system é a intensa jornada de trabalho, exercida acima dos limites legais, que acarreta o desgaste físico do trabalhador, e, por conseqüência, acidentes de trabalho.

    A Constituição Federal, no seu artigo , XIII, limita a duração do trabalho em 8 horas diárias e 44 semanais, facultado às partes estabelecerem jornada acima deste limite, mediante adicional de 50% sobre as horas excedentes. Por sua vez, o artigo 58 da CLT prega que essa extensão de jornada está limitada a 2 horas, sendo que poderá ser suprimido o referido adicional se o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia.

    Considerando os limites supra, certo é que entre uma jornada de trabalho e outra, deverá haver um período mínimo de 11 horas. Desta forma, não respeitados os limites legais, caracterizada estará a jornada exaustiva.

    Na esfera urbana, a jornada exaustiva restará caracterizada se ultrapassar 10 horas diárias, sem que haja força maior que justifique a prorrogação, que por sua vez, autoriza, em caráter excepcional, extensão da jornada até 12 horas de trabalho, conforme preconizam a artigo 61, § 2º, c.c. art. 501 da CLT.

    Já com relação ao trabalho rural, será considerada exaustiva a jornada excedente de 10 horas por dia. O artigo do Decreto 73.626/74 que regulamenta a Lei 5.8899/73, limita a jornada do trabalhador rural a 8 horas por dia, porém o artigo 7º, caput, do mesmo decreto, prega que a jornada poderá sofrer um acréscimo de, no máximo, 2 horas diárias. Da mesma forma, deverá haver um intervalo mínimo de 11 horas entre uma jornada e outra

    À titulo de exemplo, Luis Guilherme Belisario ([14]):

    “Na operação 022/2004 (operação Mato Grosso), no período de 14 a 24 de junho de 2004, a fiscalização móvel atuou para verificar as denúncias encaminhadas pela CPT/MT. EM tal denúncia, verifica-se a submissão de trabalhadores à jornada exaustiva, conforme depoimentos reduzidos a termo pelo membro da pastoral:

    ‘Que eram obrigados a trabalhar das 6:00 da manhã até as 18 horas com apenas meia hora de almoço; (...) Que eram obrigados a trabalhar todos os dias. Sábado, Domingo e feriados. Inclusive Semana Santa. E o dia que não trabalhassem, teriam de pagar a alimentação.’



    Portanto, sweating system é a jornada exaustiva, a jornada que não respeita os limites diários previstos na carta magna, CLT e outras leis. Do ponto de vista biológico, é extremamente prejudicial à saúde do trabalhador, vez que provoca desgaste físico intenso.

    2.6 – Trabalho Infantil na zona rural

    O trabalho infantil, em certas circunstâncias, decorre da própria submissão dos pais ao trabalho escravo. Muitos trabalhadores partem de seus locais de origem juntamente com sua família para trabalhar em outros locais distantes. Para dar conta do serviço, muitos pais colocam seus filhos para ali trabalharem.

    Tal ocorre também no trabalho em regime familiar. O proprietário de um pequeno pedaço de terra coloca seus filhos, na mais tenra idade, para trabalhar no cultivo, de modo a contribuir para a sobrevivência da família. As crianças trabalham sem receber qualquer remuneração, e, os que são remunerados, recebem uma quantia extremamente ínfima, chegando a R$ 5,00 (cinco reais). Aqueles que estudam, são obrigados a deixar a escola. Em outras situações, nem mesmo começam a estudar.

    Outras formas de exploração de trabalho infantil foram definidas pela Convenção nº 182 da OIT, no ano de 1999. Tal convenção determina que todo o Estado-membro adote medidas para erradicar o trabalho infantil. Definiu-se como criança toda pessoa menor de 18 anos.

    O artigo 3º, a, aponta todas as formas de escravidão, a saber:

    “Para efeitos da presente Convenção, a expressão “as piores formas de trabalho infantil” abrange:

    a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados;

    b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas;

    c) a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpencentes, tais com definidos nos tratados internacionais pertinentes; e,

    d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.”









    A causas da existência de trabalho infantil na zona rural está intimamente ligada à pobreza e miséria que atinge uma parte da população brasileira. Os pais colocam seus filhos para trabalharem no campo por extrema necessidade, uma vez que, na maioria das vezes, os pais recebem remuneração por produção, aliado à grande quantidade de trabalho.

    Por outro lado, o trabalho infantil decorre também do fator social. Os ditos populares costumam pregar a idéia de que o trabalho precoce evita a delinqüência, conforme brilhantemente explica Ruth Beatriz Vilela ([15]):

    “(...) pela cultura da valorização do trabalho, mesmo o precoce passa a ser visto como a grande alternativa para atenuar a carência das crianças, prevenir a sua possível delinqüência e viabilizar sua incipiente cidadania. Qualquer iniciativa que venha a ampará-las, ocupando-as e retirando-as das ruas e dos riscos da ociosidade passa a ser considerada como positiva, até mesmo aquelas executadas em condições que podem comprometer seu desenvolvimento físico e psicológico. Com isso, os próprios pais são levados a pensar que o trabalho para os filhos pequeno, representa uma alternativa preferível ao ócio e até mesmo à escola”

    Contudo, a Carta Política, em seu artigo , XXXIII, proíbe qualquer forma de trabalho infantil a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. Tal norma visa proteger adolescente, estabelecendo critérios mais rígidos para o ingresso no mercado de trabalho.

    Ainda, a CLT veda o trabalho de menores em locais ou serviços prejudiciais ao seu desenvolvimento físico, moral, psíquico e social, em locais insalubres, perigosos ou penosos, durante o período noturno.

    Certo é que a hipótese que tem afinidade com o trabalho escravo, é aquela decorrente do trabalho forçado, degradante ou por dívidas. Porém, não há de se olvidar que o trabalho em regime familiar, ainda que de forma minimizada, também caracteriza o trabalho escravo.

    Em que pese a legislação nacional vedar o trabalho ao menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, o artigo da Lei de Introdução ao Código Civil proíbe o enriquecimento ilícito. Aliado ao principio da não ignorância da lei, é devido ao menor indenização pelo trabalho prestado, pelo mínimo que seria devido à um empregado maior de 18 anos, o que na maioria das vezes não acontece.

    Portanto, arrisca-se a dizer que o trabalho em regime familiar, se confrontado com o artigo 3º, no qual considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário, o trabalho infantil e regime familiar, da mesma forma que aquele decorrente da escravidão contemporânea, também é escravidão.

    2.7– Exploração de imigrantes clandestinos

    Embora seja encontrado com mais freqüência na zona urbana, é possível encontrar trabalho em condições análogas à de escravo nas zonas urbanas, à exemplo da cidade de São Paulo, onde muitos estrangeiros trabalham de forma clandestina em oficinas de costura. São de maioria latina, como os paraguaios e bolivianos.

    A lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) proíbe o exercício de atividade remunerada pelo estrangeiro, e, por conseqüência, não permite o registro em carteira profissional. Garante, porém, inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, conforme preconiza o caput do artigo da Constituição Federal.

    Almara Nogueira Mendes ([16]) relata que confecções clandestinas na capital de São Paulo, de propriedade de coreanos, submetem imigrantes bolivianos ao trabalho em condições degradantes, trabalhando até dezesseis horas por dia, sem folga. Como contraprestação, recebem cerca de R$ 0,30 (trinta centavos) a R$ 1,00 (um real) por peça confeccionada.

    O medo da deportação ou até da prisão, faz com que o imigrante não denuncie as condições degradantes em que é obrigado a trabalhar, o que faz com que sejam tomadas as seguintes medidas:

    1- Criar um grupo de trabalho para apresentar estudo para viabilizar, juridicamente, a possibilidade de concessão de autorização de trabalho e visto aos trabalhadores estrangeiros em situação irregular que denunciarem/testemunharem o trabalho escravo, até o trânsito em julgado da ação penal, visando a necessidade de obtenção de colaboração à persecução criminal por parte das vítimas do trabalho escravo;

    2- Organizar Banco de Dados centralizado no Ministério da Justiça sobre o trabalho escravo no Brasil, com “janela” específica para o trabalho escravo de estrangeiros em situação irregular;

    3- Implantar treinamento específico para agentes públicos envolvidos na persecução penal e administrativa, patrocinado pelo Ministério da Justiça e demais Instituições;

    4- Programar mensalmente diligências pela Polícia Federal com a participação do Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal e Delegacia Regional do Trabalho;

    5- Termo de Ajuste de Conduta a ser celebrado entre o MPT, sindicato e empresas de confecção, visando banir a exploração de mão-de-obra;

    6- Priorizar as investigações decorrentes das denúncias recebidas;

    1- Marcar reunião com consulados, de início os da Bolívia, Colômbia e Peru, para expor o quadro de divulgação (em rádios e jornais) naqueles países de tráfico de seres humanos para o Brasil;

    2- Solicitar ao Ministério das Relações Exteriores que inicie campanha naqueles países para combater esse tráfico de seres humanos, tal qual foi feito no caso do combate ao turismo sexual;

    3- Comunicar, de imediato, o Ministério da Justiça de procedimentos envolvendo estrangeiros que exploram trabalho escravo, para fins de expulsão; e

    4- Buscar apoio da Prefeitura de São Paulo para que seja aferida a regularidade face às posturas municipais de empresas sob supeita de usar trabalho escravo, direta ou indiretamente. 12

    2.8 – Escravidão pré-colonial versus escravidão contemporânea

















































































































































































































































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